CORTINAS

 





A luz do quarto: verde. Deitei na cama e fiquei esperando a porta do banheiro abrir. A minha mulher pensa que eu estou no trabalho. Não bebo mais, está difícil, mas venho me adaptando. A boneca entrou com tudo. Eu feito um xeique – mesmo com a carteira cheia de cartões, não uso nenhum, ouro ou dinheiro? “Você escolhe” A janela do motel cheia de moscas. Será aquela luz verde o sol refletindo nestes sapatinhos de merda?

  • Hoje eu sou a Bat-moça!

Ele sai do banheiro. Um negão daqueles. Com a cortina do chuveiro amarrada no pescoço, fazendo pose, mas até que estava exótico: a espuma do creme de barba ao redor dos olhos amarelos, pingava. Hepatite, droga injetável, ardência, um milhão de anos de dor. Um planeta esperando o meteoro que o liberte para sempre. Prestes a ser aniquilado pela implosão repetitiva de um conforto que nunca irá existir.

  • Vai com calma... – eu digo – Esse calor faz o sangue ficar preso no meu pescoço! Nada de mordaças... – Ele dá uma cambalhota e já está em cima da cama. Virado de barriga. E me lembra:

  • Claro, bebê. Se esqueceu? Hoje eu sou a Bat-moça e você é o homem mau! – Tímido, enfia a cara no travesseiro. O pó sobe num cone de luz, a poeira dá-lhe forma. Quando eu era criança cuspia nessa porra tentando fazer a poeira baixar. Dou-lhe uma gravata. Ele ri, pede com mais força

Quando abro a porta de casa a minha mulher está sentada no chão. Apavorada. “Faz alguma coisa, faz alguma coisa! Uma bruxa entrou aqui!” – segurava o frasco de remédio que ainda virgem não havia lhe passado pelo rabo. “Me sinto estranha quando tomo isso...” Eu arrasto uma cadeira. “Vira o rosto pra lá!” – peço – nem com calma nem com rispidez – , e sentindo a cabeça latejar esmago a mariposa aprisionada no pano quente da cortina.










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