A VOLTA

 



O pai não ri. Por quê? Sei lá. Deve ser a idade. Perceber que foi mais mau do que bom. A cabeça cansada de pensar. Descobrir que só um velho tinha um barco quando aconteceu o dilúvio. O resto do mundo inteiro só andava a cavalo. “É muita mentira!” – um dia eu peguei ele lavando pratos e repetindo “É muita mentira...” A Bíblia jogada em cima da bancada. Ele olhando para a água escorrendo. Imitava o barulho da bica com um assovio. Será que ele tem medo? Medo de quê? De morrer. Não, ele sempre disse que queria morrer sozinho, sem ninguém na beirada da cama. Enchendo o saco. Ele usava sempre essa expressão quando se dirigia aos familiares, aos conhecidos... Amigos? Esses ele não soube cuidar. É... parar de rir não deve ser um bom sinal. Eu também acho que não. Às vezes ele se arrependeu. Se arrependeu de quê? De querer morrer sozinho. Pode ser. Mas se isso aconteceu agora, depois que todo mundo foi embora, aí que ele tá fodido mesmo. Vamos convidar ele pra almoçar?

E o velho responde: “Gastar dinheiro pra quê?”


Olhando como os seus ancestrais

Para um cacho de bananas.




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