ABRAXAS

 



Com ela eu não crio nada. Só abortos.

Já que é a mulher quem mata. Ela que chore.


Me trouxe pela mão. E me disse que se chamava João Júlia. Sinto cheiro de madeira molhada quando entro. Não tem perigo não, cara. Agora falou com voz fininha. Quando se esquece engrossa. Sento no sofá queimado. Nem rádio nem televisão. Teve incêndio por aqui? Que issssso... Casa de quem é só. Moro sozinha. E esse barulho de mar? Tá perguntando tanto, o pau nem vai subir, hein! – ele ri. Não, estou falando sério. Ah, para! É coisa de sua cabeça, moço, é o encanamento – ela diz. A água fica presa lá em cima. O cano é seco e cheio de barata. Ainda bem que a gente não vê. Quanto que é? – eu pergunto atrasado. Já nas vias? Quentão e precoce? É que eu tenho que acordar cedo. Depende. Do que você quer fazer. Levar, depois do porre, é mais caro, para mim, requer mais yoga – ai que chique! A bichona! Mas se você quiser, me ter, faço barato, só porque o senhor está assim, parecendo um detetive. De terno e tudo e com esse barrigão parecendo uma cabeça. Eu só quero abraçar. Mas quando eu disse isso ele entendeu Abraxas. Um tal de deus de quem cultua antiguidades. E o veado então começou a se contorcer. E o sol desenhado torto que nem em caderno de criança, se rasga, cheio de arames, no meio da madrugada. Não entendi porque tudo ficou tão complicado. Tão escuro. Só por causa de um abraço, uma enfiadinha. Só queria sentir alguma coisa. Ser honesto em querer o que se precisa pra depois ter dificuldade de esquecer o que se quis. Foi aí que o rapaz, incendiado, em chamas, com uma cara de cavalo e saindo lavas pela boca, me pergunta: “Quem mandou me chamar?” Agora vai ser de graça!

Enquanto ele comia a minha bunda eu descobri que Jesus Cristo é o único que amou de verdade o mundo inteiro mesmo que tenha sofrido para não salvar ninguém.

Ninguém... ninguém.


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