PESA-ME NERVO
O meu coração pula uma batida. Engasga. A sensação é ruim. Eu parei de beber para prolongar a minha vida. E eu não sei por que eu quero prolongar a minha vida. A minha namorada está grávida. Estamos deitados no sofá assistindo Taxi-Driver. O meu coração bate ruim. Engasga. Hoje é sexta-feira. Na quarta da outra semana vamos tirar o feto. Aborto. É sexta-feira e assistimos ao filme Taxi-Driver. Eu já assisti. Algumas vezes. Este ano é mais do que dois mil. O filme é de 76. E na quarta-feira eu e a minha namorada que me perguntou se o feto de dois meses já tem braços vamos ao hospital para abortar o processo. O meu coração não bate como o das outras pessoas. Eu devo estar doente. Apesar de estar vivo. Sem parar de assistir o filme respondi a ela rápido que dois meses ainda não tem braço. É como se fosse um caroço de feijão. Acho caroço uma palavra feia. Digo semente. O meu coração engasga. O filme passa. E eu digo sementinha. E tudo fica nem bom, nem mau. O taxi-driver encontra uma moça que trabalha. A minha namorada quer tirar a criança. Eu parei de beber para prolongar apenas a minha vida. E enquanto assistimos o Taxi-Driver ela me diz que nem a bebida, nem o filme, nem o meu coração tem a ver com tirar a criança-caroço-peixe-sementinha. Ela disse que eu não aguento ser pai. E aí eu paro de escutar. Porque o taxi-driver começa a falar com o espelho algo sobre alguém que não está escutando o que ele diz. Algo sobre saúde, coração, morte. A morte da sementinha. “Será que um dia o sono será um direito subsidiário?” eu não sei a palavra certa. “Facultativo?” Eu não sei. Eu me esqueci. O meu coração pula. Engasga. Hoje é sexta. E quando não se sabe a palavra. Vem uma tristeza. Eu não sei mais escrever. E depois virá o sono. Inóspito. Hospitalar. De puta. E pensamos ter sorte. Só porque prolongamos. O que se encontra. Nas indecisões. O fácil torna-se difícil. Destrói a relação. Igual a morte. Igual a morte. Eu não impeço a morte. Então quem sou eu para falar da morte? Mas parece que eu estou morrendo. É uma merda. Parece. É ruim. Quando o meu pulso engasga. Contrai errado. É porque está tudo errado. No meu coração de carne. Na carne. Ruim. Será o Taxi-Driver? A sementinha? A minha vida? Que eu prolonguei?
[Retirado do meu livro Medo dos Pretos // não publicado]
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