MINOBICHA

 



    Mãe corcunda, pai alcoólatra. Mas nem ligavam. Imitavam ricos, cada um na sua. Eu, uma criança. Me escondendo feito Minobicha entre as pilastras fedendo a mijo do labirinto irado e aflito que era sair com estes sem vergonhas. Esperávamos o ônibus, a arca dos animais ruins, que sempre vinha lotado. Chegávamos em casa. Minos sem rei. Todo mundo apertado, no calor, um por cima do outro. Famintos. Resolvi. Não aguento mais essa miséria de que “estando com saúde tá bom”, e a geladeira, o polo norte mais frio, só faltava ter pinguins. Apenas ovos pelados, que como eu, só rachavam. Só na rachadinha. Cueca apertada. Peguei uma colher. Fui para o quarto. E enfiei bem fundo no osso debaixo do peitinho. Sim, quase chegando aos doze. Voz fininha e grossa, destoava, quando abafei o grito. Torcendo a colher fiz um rasgo no peito e fui puxando e estiquei a pele por cima da minha cabeça. O coração solto no espaço pulava, talvez de alegria, ao ver a poeira girando ao redor do cinema que era a luz do sol que invade apartamentos. Que agora por dentro da minha máscara de carne era uma luz azul. Fria. Saí do quarto. A corcunda e o bêbado, cada um no seu canto – a sala emendada com o banheiro. Parecendo um conto de fadas. A maçã da bruxa por cima da mesa, no lado da garrafa de cachaça, com um velho e um barril, roída até o talo.

    • Que é isso menino ? – a minha mãe secando a mão seca no avental, me perguntava, mais para falar alguma coisa do que curiosidade. Fingia pra caralho, mas era uma coitada.

Já o meu pai, virando a garrafa de pinga e tentando cruzar o pé inchado, olha com desdém e diz:

    • Esse aí é um escroto. Sempre teve vergonha da gente.

Então a corcunda, segurando um pescoço de galinha, hoje a janta vai feder, pensei, não querendo encostar na pele do meu corpo que cobria a minha cabeça e rosto como se fosse uma máscara vermelha de carne úmida e sangrenta encosta a boca no meu ouvido, torcendo para que eu parasse com aquilo, dizendo:

    • Você quer que a mamãe te ajude a voltar ao normal? Mas tem que ser agora... senão a comida vai queimar igual o teu rabo, no cinto e na chinelo, chega de besteira!

    Com medo de falar muito alto na casa que não era minha. Eu tomei coragem e revelei o plano que carrego até hoje, já homem, já alto, forte, moreno e adulto; quando... emendando a boca, do “mamãe é rica porque fode”, na pele invertida que me ocultava, eu disse o mais alto que pude:

    • Eu vou ficar assim para sempre! Parecendo uma boceta!





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