O DESERTO



O sol brilha sob os mortos e enquanto os bichos comem-lhe os restos, digladiando entre pútridas panturrilhas, a sombra que se forma na areia vítrea revela castelos e pequenos anjos vesgos a montar suas vulpinas armadilhas

para o profeta fardado que procura por dentro do mar negro o corpo que deixou para Alá. Flutua quieto... observando a areia do altíssimo – sente a mão do amigo mais perto, mas não o vê ao seu lado

o amigo...

que não estava lá.


E só então o silêncio que o reclama foi interrompido

pelo som da corda que rebenta, o umbilical de uma Hera, do éon contado às pressas

pela criança de seis braços rasgando fácil a placenta.

E que o espera:


É falso. Tudo é falso,

Estas mãos que esticam as redes

Para que atravesse os abismos.

Abismos? Nem isso me acorda.

Tudo o que vemos nos enrola.


Deuses modernos adormecidos

cada qual em uma gaiola


E para sair do transe, tanto os profetas quanto os mortos


Reconhecem que se nunca foram

certamente terão de ser

espancados até o sangue pingar

similar àquele que se corta


toureando ou

tocando harpas.


Próximos a estes soldados apodrecendo por completo

Disputando, alucinados, com as hienas

Seus próprios ossos.


Fantasmas vagando pelo deserto.







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