A VOZ GUIA




 

A voz do monstro sabe que eu ainda me assusto. Ela me guia. E pede: “Feche os olhos e diga aos outros o que vês no escuro – esta parcial cegueira do inferno!” Eu obedeço porque não quero que aconteça algo de mal a mim. Os seres humanos me amedrontam, ainda, ainda assim... Fecho os olhos e vejo Metatron, o anjo gay comendo tripas de crianças e de reis já esquecidos. Ser pobre é muito ruim. E odiar muito os seus vizinhos – amém. E todas as pessoas com aqueles olhos de bonecas, parecem bichos vestidos com pele de gente. Também. Parecem peixes. Parecem crioulos reis. A voz do monstro me obriga a acender velas, dar comida para fantasmas, comprar talheres novos, e quando o dinheiro encurta, o monstro faz aparecer alguém que come a minha bunda, então compro uma panela onde a comida não gruda. O monstro ri. Aqui dentro. Eu emissário do deus todo poderoso que enfia um cano em minha cabeça e sopra palavras no limo que enrijece – em câmara lenta – comigo. Na pedra fria. Marciana. Onde escorrego, ninguém me levanta. Entro no foguete do desperdício e depois do jantar à luz de velas com os fantasmas, resolvemos ir dentro da noite observar no parque da praça os vaga-lumes se divertindo debaixo da mesa velha de xadrez. Foi a prefeitura que pôs ali. Ninguém joga. Se fodeu. Fizeram da mesa de pedra a tábua para cortar a barriga do leão, do alce, do cordeiro e do porquinho, e de algumas pessoas descendentes de homens curvados sobre espetos que nos lascam até hoje. Pintavam seus rostos. Preto e vermelho. Não tinham muitas cores. Mesmo assim me apavoram. Matei um chamado Abel, aqui perto do coqueiro doente – um pouco às vistas. Porque no coreto, a capelinha mágica dos rituais, infelizmente, tem cheiro de mijo. Me arrisco pela voz guia. Onde eu moro não cai neve, mas chove. Pedra mole. Chupei mesmo. Avesso ao álcool segurei o peido, a crista de galo, quando ele me disse seu nome: “Oi, me chamo Abel e você?” Madeixas caracoladas. Eu não disse nada. Corei. Bonitão, mas a maior bichona. O bobo que sou. A carta mais fugida do baralho


escuta a voz do monstro que me diz:

“Ame, mas enterre!”



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