A VITÓRIA DOS ÍNDIOS

 







A VITÓRIA DOS ÍNDIOS



Cinquenta anos. Um monitor barato, um filme pirata, umas crianças matando alienígenas. A cadeira balança porque tem um pé quebrado, mas é confortável—desde que eu fique imóvel. Se mexer a bunda, lembro do carrossel de caralhos que girava no parquinho, abraçado aos mendigos.

Habito num quarto em um buraco escandinavo. Não trabalho. Não sou preto, não sou rico. O banheiro, pelo menos, é dentro de casa. Meu vizinho é chinês. Eles vêm da merda e acham que uma cabeça de porco é o paraíso na terra. Limpam privadas por um saco de capim, sempre rindo daquele jeito falso de foto da década de noventa, quarenta ou oitenta. Uma vez, bêbado, peguei um martelo para esmagar a cabeça do filho da puta. Mas era cedo, tinha gente no corredor. Desisti.

Eles lavam a gordura podre da comida que comem e entopem o ralo do banheiro. O cheiro azedo sobe pelo prédio. Me revira o estômago. Eu sou a favor de castas. Ninguém deveria sair do país onde nasceu.

Comprei uma calça de ginástica. Caminhar rápido parece um sonho. Os pássaros bicam restos de sementes, fazem ninho com o papel prateado das barras de chocolate que pescam na lixeira. Isso me acalma. Mas, nos dias de recuperar o fôlego, pego um ônibus fedendo a curral e vou ao cemitério. Ponho flores na sepultura de alguém que não conheço. É o meu ritual, sempre antes de entregar o formulário no serviço social.

Ajeito o cabelo ralo no vidro à prova de balas. A assistente carimba o papel. Saindo dali, passo na estação do metrô e compro remédio para dormir e um pouco de anfetamina. Me sinto bem. Um maço de cigarro, doze latas de cerveja. Música no fone de ouvido. Volto para casa e imagino um mundo onde só a Morte e algumas mulheres italianas habitassem meu país.

Meus dias são todos iguais. Não sou violento—apesar da vontade bíblica de ira, daquele desejo súbito, arcaico, de destruir feito um deus troglodita. Claro que há algo errado comigo. Sempre houve. Mas o que há lá fora é ainda pior. O reflexo desse mundo me enoja. Como alguém que mal fala meu idioma tem o direito de impregnar o ar que respiro? Como pode comprar perfume para tentar mascarar o horror que trouxe para o lado da minha porta?

A vontade de esganar vem do medo do nosso próprio caos. De não querer aqui o que eu não preciso.

Amanhã será igual a hoje. Vou assistir a um filme e fingir que não é Dia dos Namorados Macabro. Vou tentar não beber todas as cervejas de uma vez.

E o fim, não importa. Os cara-pálida sempre perdem. Fantasmas solitários.

Os índios nos venceram.

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