PORQUE DEPOIS EU VOLTO

 




De todas as crianças eu fui a mais bicha. Parecia que tudo à minha volta, o ar, o espaço, era uma teia de arames elétricos e farpados. Que assim que eu desse um peido iria me eletrocutar. Medo. De flores, de rosas, dos cachorros e dos pássaros. De homens, mulheres, crianças. Medo de tudo que existe e do que não existe. Muito medo do escuro, mas também do sol nascendo. Medo de ver Jesus e pensar, que homem gostoso e morto, ainda assim... de cueca. Cueca ou fralda? Cueca e sangue e com a minha cama nas estrelas. De todas as crianças eu fui a mais bicha. Então, porque eu continuei a viver? Sei lá. Não sei por que a gente continua. A gente continua por pouca coisa mesmo. E quanto mais a gente vive mais mico a gente paga. Mais vergonha a gente passa. Deve ser alguma coisa das vísceras, do animal aqui de dentro. Se não os presos iriam  se matar em suas celas nos presídios imundos. Nas prisões perpétuas. Iguais a esta. Onde vivemos. Na diferença entre espaços a mágica acontece. E a criança chupa uma pica grossa e inteira. Engasguei, santo pai! Cospe, filho. Cospe! Porque a carne que carregamos é imensa. E eles não se matam: os presidiários, os doentes, os endividados, os ateus, os descrentes, os que passaram dos quarenta, as mulheres velhas com a bunda de pudim.... Não se matam porque esperam; ou que dê tudo de ruim para todo mundo ou que como uma criança bicha veja o Cristo pelado e de gesso explodir dizendo com calma e claridade: “Eu existo! Eu existo e vou lhes salvar!”

Sofram mais – disse a boca da estátua. – Sofram mais...

Porque depois eu volto.




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